Negro eu sou, índio eu sou, diz aí quem é você
Mainha e painho no dia do casamento deles, em 1978 |
Por Leo Pessoa
Em
Março de 2015, uma camisetaria de Juiz de Fora, Minas Gerais, me convidou para
participar de uma campanha publicitária para o dia do consumidor. A peça tinha como
objetivo, além de aumentar as vendas, estabelecer um nome específico ao
consumidor da camisetaria. O slogan da peça era Não ao dia do consumidor. Baseado
nas minhas fotos do Facebook eles fizeram uma arte. Nessa arte havia uma imagem
que me representava. Quando observei a arte, fiquei uma tanto quanto chocado.
Estava representado como negro.
Arte da camisetaria |
Apesar
de, desde sempre, ter sido chamado de moreno, até então, em nenhum momento da
minha vida, havia me enxergado como negro. Mantive contato com as pessoas que
criaram a arte e elas eram brancas. Na infância quando criança era como o xamêgo da
música de Luiz Gonzaga: ninguém sabe se ele é branco, se é mulato ou negro. As
minhas primeiras reflexões sobre identidade racial aconteceram na adolescência.
Me via como um não-branco. Mas, ao mesmo tempo, sentia um incomodo com esse
lugar, caracterizado pela negação. Eu sabia o que eu não era. Assim, eu não
tinha um lugar, tinha um não-lugar. Mas afinal o que eu era no espectro racial?
Essas questões existenciais, na adolescência, tendemos a deixar de lado ou respondê-las
de maneiras simplórias.
Para
continuar com a minha exposição é importante discorrer sobre o termo raça.
Raça, na perspectiva biológica e científica, é um termo em desuso. Porém, a
ideia de raça no âmbito social é muito presente e utilizada para se referir a
um grupo de pessoas que possuem marcas físicas, ou seja, no corpo, que são
consideradas socialmente significativas e semelhantes entre si. Dentre essas
características um fator que se destaca dos demais: a cor da pele. Outro fator
que é muito importante para a caracterização de uma pessoa em uma determinada
raça é a textura do cabelo.
Uma teoria criada pela escritora Alice Walker, na década de 1980, nos Estados Unidos, alerta pra uma hierarquia das cores, uma pigmentocracia ou aquilo que ela denominou de colorismo. Segundo Walker, em uma estrutura de sociedade racista como a que vivemos aqui no Brasil (sim o Brasil é um país racista que não para de matar o povo preto), quanto mais clara for a sua pele, mais fácil será para você ser aceito na sociedade. E o oposto acontece: quanto mais escura for sua pele, mais difícil será para você ser aceito.
No mesmo período da campanha publicitária da camisetaria comecei a questionar a meus alunos como eles me enxergavam racialmente. A maioria me olhava como branco. Mas porque a classe média branca me dizia que eu era negro e meus alunos da rede pública me viam como branco? Como numa receita se reserva um ingrediente, reserve esse parágrafo que eu retornarei a ele daqui a pouco.
Voltando
ao Leo adolescente, lembro que ele se enxergava como pardo. Mas o que é o pardo? Etimologicamente, ou
seja, em sua origem, o termo significa sujo, mas sujo de quê? O primeiro uso em
terras brasileiras do termo foi na Carta de Pero Vaz de Caminha que descreveu
os nativos como pardos por causa da pigmentação da pele. Pardo não é uma identidade racial. É apenas
uma forma de catalogar você como um não branco e ao mesmo tempo destituir de
qualquer possibilidade de vinculação de identidade racial.
Na
infância, na adolescência e nos primeiros dez anos de vida adulta sempre me vi
como pobre. Não possuía nenhuma identidade racial específica, mas sabia que meu
lugar na sociedade estruturada em classes sociais era a condição de pobre. Mas
como nos disse Eliane Brum, “pobres é necessário deixar explícito, é um conceito genérico usado politicamente à esquerda e à direita para promover apagões de memórias e identidades.” E, de fato, me insiro na sua reflexão sobre a
promoção de apagões de memórias e identidades.
Somente
aos 30 anos percebi que sou negro. Ao
fazer uma intersecção da ideia de raça social com a do colorismo percebi que
sou um negro de pele clara. Com a leitura em 2018, de a Elite do Atraso de Jessé
Souza, a minha negritude ficou mais pulsante. Conversei com minha esposa, com
meus irmãos e tudo ficava cada vez mais evidente: sou um negro de
pele clara.
Ouvi muita gente e percebi que em toda exposição de negros de pele clara, há inicialmente uma explicação sobre qual era a raça de seus pais. Quando criança, na minha casa, identidade racial nunca foi algo colocado em questão. Minha mãe, aos meus olhos, era uma branca. Porém, depois de um tempo soube que ela era neta de um casal inter-racial. Minha bisavó branca, filha de portugueses e meu bisavô negro. Meu pai possuía os traços marcantes de um indígena (veja a foto do inicio desse post). Seu apelido, e lembro muito bem disso, era Juruna, uma referência ao cacique que foi o primeiro indígena brasileiro a ocupar um lugar no parlamento brasileiro entre os anos de 1983-1987. O avô materno de meu pai era negro assim como a sua avó por parte de pai. Porém o traço mais evidente em seu corpo era o de sua avó materna que era indígena. Eu sou, com a minha cor, um dos resultados da tentativa de branqueamento da população brasileira, uma política do estado nacional após a "abolição" da escravidão facilitando a chegada de imigrantes com o intuito de praticar a eugenia. Muitos artigos científicos no Brasil do início do século XX defendia o branqueamento da população como uma possibilidade de redenção das nossas mazelas.
Diante
desse emaranhado de vidas da qual sou herdeiro, percebi que a palavra pardo,
muito menos mestiço, poderia dar conta de minha identidade racial. Nos últimos
anos, essa reflexão ficou mais latente e me entendi como um negro. Porém percebi
também que o debate racial no Brasil possui uma espécie de dualismo entre
brancos e negros. E, por exemplo, onde estão situados os indígenas nesse debate? Existe uma crença de que índio é apenas aquele
aldeado e os que vivem em territórios demarcados para a reprodução de seu modo de
vida. Essa é uma visão não apenas do imaginário social mas também é uma visão
oficial do Estado brasileiro. Os que se autodeclaram pardos são considerados
exclusivamente negros pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Tendo ciência dessa invisibilidade do indígena, que apenas foi considerada como opção de raça ou cor no censo do IBGE em 1991, constatando a minha ascendência paterna percebi, também, que sou indígena. Um indígena urbano. Em 2018, postei uma foto no face e uma amiga comentou da seguinte maneira: “olha o caboclo aí gente...”. Caboclo era uma designação de raça até o final do século XIX que designava a pessoa oriunda da miscigenação entre branco e índio.
Comentário no post do face |
Agora creio que você está a perguntar se eu sou negro ou índio. E eu respondo. Eu sou ambos: minha identificação racial ou minha identidade sócio-cultural e política é a de negro de pele clara e indígena urbano. Percebi que a lacuna na infância, na adolescência e no início da fase adulta dessa identidade advém da ausência de discussão desse tema no âmbito escolar, familiar e da sociedade em geral.
Lembram do parágrafo que eu pedi para vocês reservarem? Aquela condição de ser negro para uns e brancos para outros me permitiu usufruir da passabilidade. Por ter algumas características não negras ou não indígenas posso não ser visto como uma pessoa negra em alguns espaços, como, por exemplo, nas escolas onde trabalho na periferia de Salvador compostas majoritariamente por negros. Fazendo uma autoanálise percebo que não queria me vincular a uma negritude, também, por observar toda opressão direcionada aos negros e não querer ser integrante do grupo dos oprimidos. Essa é uma triste realidade superada com leituras sobre identidade racial.
Ainda hoje sou representado como o negro que sou. No boneco que foi feito para ocupar o topo do bolo do casamento, nos emojis do WhatsApp. O Esporte Clube Bahia, no ano passado fez uma bela campanha para valorizar a identidade racial negra comercializando umas blusas com os dizeres preto tricolor. Precisava ter criado a camiseta índio tricolor. Para mim e outros tantos poderia ter uma escrita preto-índio tricolor.
Representação minha, Flora e Milena para o topo do bolo do casamento |
Ao escrever esse pequeno texto quero ressaltar que não pretendo roubar o protagonismo de ninguém com essa declaração aberta sobre a minha identidade racial. Sei que numa sociedade colorista tenho mais privilégios do que um negro de pele mais escura do que eu. Sei também que um índio aldeado também sofre mais racismo do que eu já sofri. Sei que muitos deles possuem capacidades melhores do que as minhas, mas que muitos também não tiveram as poucas oportunidades que eu tive. Entendi nesse processo que se não nos definirmos, os outros irão nos definir. Esse curto conjunto de ideias desse relato serve para eu me posicionar politicamente perante a minha família, sobretudo as minhas filhas, lá na frente, quando elas tiverem a oportunidade de ler, aos meus amigos e aos meus alunos. Esse é apenas um simples chamado para reverenciar nossas ancestralidades e repensar nossas identidades. Agora que fiz minhas reflexões proponho que você leitor faça a sua e comente, diz aí pra mim: quem é você?
EU adorei o seu texto professor, parabéns pelo seu trabalho ficou muito bom♡!
ResponderExcluirA maioria das pessoas na minha família são negras de pele clara/indihenas, e outras negras também, brancos são poucos...confesso que eu tenho dificuldade de entender qual é exatamente a minha cor, a minha raça, de onde eu venho.
ResponderExcluirIdentidade racial pelo que eu SEI na minha família nunca foi algo discutido, na família de minha mãe as pessoas já são negras de pele clara/indígenas ou negra mesmo, já de meu pai as pessoas já são brancas, ou pele claras..Eu não tenho muita coisa para falar professor, mais achei muito bem elaborado seu texto, obrigada!
Bom, eu ameii o seu texto,achei muito bem escrito , parabéns pelo seu belo trabalho e dedicação ❤️
ResponderExcluirBom, quando eu era criança eu me via como branca,ainda mas quando eu me comparava com pessoas de pele escura, hoje em dia me vejo como uma jovem negra de pele Clara.Minha família tem de tudo,na parte do meu pai, a maioria são negros de pele escura ou negros de pele clara e indegenas,na parte da minha mãe, são brancos e negros de pele clara.Hj em dia me vejo de forma diferente do que eu via a alguns anos,e estou feliz em relação a minha identidade racial.
Parabéns pelo seu texto extraordinário❤️😉
É Maria Julia tá
ResponderExcluirOi prof eu amei seu texto muito lindo mesmo tocou meu coração de vdd💖, agora eu vou contar quem eu sou ou acho que sou,eu sou NEGRA filha de pai NEGRO com cabelo cacheado e olhos escuros filha de mãe NEGRA com pele clara cabelo liso ondulado com olhos castanhos claros neta de dois avôs NEGROS de interior e avós NEGRAS tbm de interior, eu fui chamada de cabelo duro por minha vizinha de 6 anos BRANCA de mãe NEGRA de cabelo cachado e pai BRANCO de cabelo liso,na minha infância quando tinha uns 6 anos nunca achei que ser chamado de NEGRA iria ser problema para mim achei que era (e sou) igual a todo mundo,na minha família tem BRANCO e tem PRETO ninguém tem problema com cor de familiar todo mundo se aceita como é e eu depois dos 10 comecei a ver a "diferença" que outras pessoas achavam,me emociono com histórias de morte de pessoas NEGRAS,com violência contra NEGROS , com injustiça por causa da cor NEGRA , simplesmente revoltante o que pessoas NEGRAS sofrem por causa da indiferença dos RACISTAS,bom isso é o que eu que sou,NEGRA,e não me importo com pessoas que sentem NOJO da minha cor NEGRA,obgda 💖
ResponderExcluirÉ Leticia
ResponderExcluirJohn
ResponderExcluirO processo de construção da sociedade brasileira com a "mistura" forçada na maioria das vezes do que a gente chama de raça ou etnia muitas vezes dificulta a compreensão do "quem sou eu". Digo muitas vezes pois em muitos casos é um processo negacionista. Por muitos anos o negro não conseguia se reconhecer como negro. A negritude é atribuída as piores características e conotações a saber denegrir, dia negro, a coisa ta preta, obscuro e por ai vai. O papel que foi imposto ao negro na sociedade por anos também exerce essa influencia na negação. Daí muitos de nós, por menor sinal de outra característica corria pra ela. Se de pele clara, éramos pardos. Se se cabelo liso, éramos índios (por achar o índio exótico). Até moreno, alguns negros de declaravam. A última pá de cal nessa esquizofrenia de alguns, ignorância de alguns outros e mecanismo de defesa de uns tantos, o filme BACURAU em uma cena icônica nos fez a gentileza de jogar. Aquela cena retrata o choque de muitos que não se percebem negros recebem dos brancos a constatação de que sim, você é negro. Essa forma é doída pois vem acompanhada geralmente de uma "arrogância racial". Soa como um aviso e não uma elucidação. Vamos ainda avançar muito nesse ponto e creio que com o passar dos anos e a intensificação da luta contra o racismo e o negro se enxergando como protagonista no mundo, tenhamos cada vez menos alguns movimentos de negação a negritude.
Muito bom texto Leo. Infemizmente ele teve que terminar aqui mas sigamos a conversa!
Léo, eu nunca fui seguro em afirmar a minha raça e cor. No seu texto me reconheci em alguns pontos. Quando precisava por algum motivo da definição, dizia pardo sempre com desconforto. Mas a pouquíssimo tempo reconheci que sou negro. E a leitura que acabei de fazer me deixou muito mais seguro nessa afirmação. Obrigado.
ResponderExcluirDurante um bom tempo, via essa coisa do pardo como uma aceitação da mistura do que somos. Só que ao mesmo tempo etimologicamente é algo que parece não querer que nos afirmemos como nada. Valeu pelo texto!
ResponderExcluirÓtimo! Texto professor Léo.
ResponderExcluirProfessor eu sou negro. Meus pais também são negros. Embora minha mãe foi registrada como tendo a cor parda. Mas ela se declara negra. Pois parda não é cor diz ela. Meus avós por parte de pai são negros. Por parte de mãe também são. Mas dizem que são negros de pele clara ou parda. Tenho poucos parentes brancos. Na verdade é uma mistura. Pois o Brasil é um país muito racista. Todos somos descendente de negros, índios e brancos na verdade.
ResponderExcluirMichelle da Hora, comentando pelo perfil de John porque não consegui entrar.
ResponderExcluirQuando você se descobre negro aos 30 anos, é sinal que você não é negro, visto que em todo esse tempo não se recorda pelos NÃOS que a vida nos dá, das perseguiçoes policiais, do racismo recreativo, do auto-ódio... falo com conhecimento de causa por ser meu LUGAR DE FALA. Quanto à questão indígena, eu vou citar a minha área de atuação. Quando notifico uma doenças compulsória, agravos, violência... Esses dados são informado ao ministério da saúde através documento: ficha de notificação, e consta o campo RACA/COR, qual o individuo pode se autodeclarar indígena, assim como em outros seguimentos. Entretanto ao meu ver a autodeclaração indígena não seria somente carregar as características de pele escura, cabelos liso, um bisavô índio, um antecedente ancestrais... mas também pertencer aquela cultura, ter o estilo de vida de uma pessoa pertencente aquela cultura e não apenas não traços exóticos, traços que passaria ao curso da vida sendo exótico, e sequer receber aqueles" NÃOS" que eu supracitei no inicio. Acho valida todo levantamento de discussão e debate racial visto que o colorismo dificulta a identificação racial, diferentemente de países como EUA que carregar uma gota de sangue ancestral leia-se negro. O protagonismo que nuca foi nosso, e concordo que debate racial não deve limitar-se apenas a brancos e negros mas somos nos que levamos as chibatadas contemporâneas pelo nosso estereótipo, então as discussões devem estar voltada pra nós nesse momento tão importânte.
Abraços, Michelle da Hora
Michelle, muito obrigado por todo esse seu feedback. Ele é muito importante para mim. Vou tentar argumentar na ordem em que suas ideias apareceram no comentário. Se descobrir negro aos 30 anos é um processo difícil. A experiência negra não é universal. Ela vai diferenciar se você for mulher, se você for homem, a depender da cor de sua pele, do lugar onde você nasceu, a qual classe social você pertence. Eu tinha todos os elementos para me considerar negro desde a infância, mas o racismo estrutural em suas diversas frentes não me permitiu me ver dessa maneira o que me entristece. Li muita coisa, ouvi muita coisa, vi muita coisa e uma das mais interessantes que li é a de que não precisa sofrer um tipo de racismo mais contundente para se considerar negro. Isso não quer dizer que eu não tenha sofrido racismo. Numa conversa pessoal posso te dizer algumas das ocorrências. Não faço isso porque não quero expor pessoas nesse espaço.
ExcluirSobre a questão indígena é importante salientar que tenho os fenótipos, herdados diretamente de meu pai como você pode ver na foto que postei dele. Mas na mesma família os indígenas sempre foram vistos com muito preconceito. Então o padrão era silenciar também os costumes para com essa raça com a qual temos uma ligação direta. Não sou índigena aldeado e abordo isso no texto. A visão exótica é a que índio vive apenas nas aldeias, usam adereços específicos, pinturas no corpo e não compartilham dos costumes e hábitos da macrossociedade. Essa visão inviabiliza os indígenas. Os indígenas aldeados sofrem racismo desde sempre no país, assim como os negros. Racismo diferentes, mas racismo. Não consigo hierarquizar. Para finalizar no último parágrafo disse: não quero roubar o protagonismo de ninguém. Seu lugar como negra é totalmente diferente do meu. Entendo toda sua argumentação, apesar de discordar. Mas essa visão escrita por mim é apenas a minha trajetória, não pretendo finalizar o assunto ou muito menos deixar de tocar nele. Sabia que expor feridas, expor intimidades, expor a identidade (que é uma troca , não pode ser unicamente dito por alguém o que eu sou ou o que eu não sou) poderia gerar ruídos. E estou aqui para aprender com esses ruídos. Abraços, Leo Pessoa
Excelente texto, excelente discussão e reflexão também! Que tenhamos mais espaços para que possamos abir mais e mais debates!!!👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿
ResponderExcluirMineia da Hora
ResponderExcluirOlá, Léo, muito bacana seu texto e reflexão.
Concordo com muita coisa que você disse. Imagino que, para uma pessoa com criação na periferia que transita na fase adulta entre classes, acaba que se vê num dilema. Dizem que há 33 tons de pele para a raça negra e como você citou bem Walker, uma fragmentação da própria raça a partir do tom de pele mais claro. Ora, se há essa segregação que possibilita aos negros de pele mais clara, traços menos negróides e cabelos menos crespos ascenderam socialmente de forma menos árdua, logicamente quem tem essa a características permanecem estruturalmente marginalizados e seguindo o fluxo da lógica eugenica, como você também citou. O ponto do seu texto que me inquieta é a fala sobre o indígena. Como você é professor e educador, tenho certeza que tem referência do que fala mas não estou familiarizada com o termo indígena urbano. Sobre a dualidade. Acredito que essa dicotomia se dá mais pela população negra estar totalmente inserida na mesma sociedade que o branco, diferentemente da população indígena. E se formos analisar bem, praticamente todos nós temos essa ascendência (indigena). Mas mesmo quem tem esse grau de parentesco precisa levar em consideraçâo que quando insistimos em uma luta, é para reduzir os efeitos das desigualdades naquele povo. Logo, se eu, que também tenho ascendência indígena, me colocar nessa condição, posso acabar interferindo na causa mais visceral da população indígena, que pelo menos até onde sei, atualmente são as demarcações de terras. Cada conquista é tão sofrida e ao mesmo tempo tão frágil, que acredito que nosso olhar precisa ser mais de escuta e apoio. O debate precisa ser feito sim, mas levando em consideração que essa autoidentificação pode causar em pessoas com baixa consciencia política utilize isso para algum beneficio (vemos isso com o sistema de cotas). Isso nao quer dizer que discordo da necessidade de "assumir nossas raizes". Mas precisamos fazê-lo de forma que não pulverize os debates acerca do que realmente é importante politicamente para aquela minoria que, não apenas tem ascendência, mas realmente sofre na pele as consequências das ações genocidas de ontem e de hoje.
Um abraço e parabéns pelo nível do debate!
Mineia, muitíssimo obrigado pelas contribuições. Não foi a toa que pedi insistentemente a John pra compartilhar contigo e com Michelle. Sabia que viria coisas boas de vocês. Sua inquietação sobre a questão indígena é muito pertinente. Há um debate muito profícuo sobre os indígenas urbanos, sobretudo após o censo de 2000 que mostrou um aumento considerável nessa autodeclaração. Uma das direções desse debate é se o indígena urbano seria apenas aquele que nasceu aldeado e migrou para a cidade; se seria apenas a filha/filho, que já nasceu na cidade, de um casal indígena que migrou para a cidade; ou até qual ascendência pode ser considerado. Não há exatidão porque identidade não é algo puramente objetivo. Uma das questões com o indígena é justamente o reconhecimento da alteridade indígena. No Brasil majoritariamente urbano que vivemos há sim uma dualidade entre brancos/negros na análise sobre identidade racial.
ExcluirOutro ponto importante é que se eu for buscar algo para além dos fenótipos, a cultura indígena e negra na minha família foi silenciada há muito. Não poderia eu, meus irmãos e outros familiares fazer um resgate?
Concordo contigo nos problemas de autoidentificação problemática, mas saiba que esse texto ele integra uma sequência didática que estou abordando com meus alunos do 9°ano.
Por fim, quero mais uma vez reafirmar que quando digo que sou um negro de pele clara e um indígena urbano eu sei dos privilégios dessa autoidentificação. Um negro com a pela mais escura e um indígena aldeado provavelmente está suscetível a situações muito mais contundentes e cruéis de racismo. Tenho ascendência portuguesa e italiana vem distante na família (trisavós) mas porque não me autoidentifico com branco? Porque não me sinto branco, mesmo que me sentisse a cor da pele jamais iria deixar me sentir e porque dizer que sou negro e indígena é também um posicionamento político para além de um posicionamento identitario.
Mais uma vez obrigado pelas palavras e a réplica não se deu para encerrar o debate. Acho que temos muitas questões ainda pra debater sobre o comentário que escrevemos.
Léo, que discussão importante! E que muitas vezes fica no plano do outro ou dos outros, pouco trazemos para nós mesmos. Gostei muito de ler seu relato, suas descobertas e construção da sua identidade racial. Particularmente, o fato de eu nunca ter que pensar sobre raça quando jovem (antes de eu começar a estudar essa questão), já me indica que sou branca - o clássico privilégio branco que pode nos levar à alienação caso não busquemos entender raça com profundidade. No entanto, o estudo e a experiência de ter vivido na Europa me fez entender que sou branca no Brasil; lá fora, sou lida socialmente como latina - que é uma identidade que me orgulha muito e contempla meu entendimento de mundo e de mim mesma. Abraço!
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