O regime da verdade de Bolsonaro


                
             Por Leo Pessoa


           Na última terça-feira (24/03), o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido, sem escrúpulos, sem noção, sem condições de ser presidente) fez um pronunciamento televisivo no qual atacou as ações de isolamento para o combate ao coronavírus. Sua agressão verbal não ficou restrita às medidas de isolamento. Elas foram direcionadas aos governadores que estão tomando providências baseados em evidências científicas para a contenção da Covid-19.
            Muitos analistas se assombram creditando seus ataques à ciência. Não. Bolsonaro ataca a quem for de encontro com o seu regime de verdade. Regime este que, obviamente, está completamente concatenado com seus interesses particulares e autoritaristas de se perpetuar no cargo onde está até, no mínimo, 2026. A ciência, tal como a mídia, para ele, são apenas obstáculos de enfrentamento para colocar seus interesses acima de tudo e de todos.
            Afinal, qual é o regime de Bolsonaro? Para o regime de governo, sem dúvida, a melhor designação vem do que os analistas chamam de democradura. Para Lilia Shwarcz, esse termo explica "a vigência de governos que combinam de maneira perversa a regra democrática com a prática populista e autoritária." 
            Para seguir em seu regime, ele ataca quem não segue a sua linha de conduta, em outras palavras, o seu querer. Por isso, ele ataca as pessoas e as instituições que elas representam: a ciência, a mídia, o Congresso, o STF, ou todos que apresentam limites aos seus devaneios autoritários. 
         Já seu regime de verdade é aquele que atende a seus interesses independentemente da distinção do que é verdadeiro ou falso. É a sua autoverdade como chamou Eliane Brum.  Apesar de tudo se direcionar para que pensemos ser Bolsonaro um burro, ignorante ou estúpido, precisamos observar que ele não é. Se acreditarmos na sua burrice, ignorância ou estupidez vamos dar vazão ao raciocínio de que ele foi para um lado errático sem perceber que era um erro. Não. Ele escolhe o lado errático tendo o mínimo de consciência do que é verdadeiro. Na verdade, ele faz um regime da verdade. Assim como pessoas que, a depender da dieta, excluem açúcares ou gorduras, Bolsonaro não se alimenta da verdade para não ter problemas com o peso... de suas decisões. Ele tem noção do verdadeiro, mas escolhe o que sua conveniência alcança. Assim é Bolsonaro. Assim são os Bolsonaristas.
            Há dois dias presenciei uma conversa entre um zelador e um síndico de um prédio. O zelador estava falando sobre as suas medidas para se proteger e solicitou a alteração do horário de sua jornada de trabalho com o objetivo de evitar os horários de pico no transporte coletivo, para diminuir os riscos de contágio. O síndico disse que a questão do coronavirus é tudo alarmismo da mídia e que o povo está paranoico. Detalhe: o síndico estava com máscara. 
            Em Curitiba, João Pessoa, Salvador e em outras cidades carreatas aconteceram como protesto contra as medidas de isolamento. Detalhes: os modelos dos carros que desfilavam na carreata mostravam muito bem quem quer o retorno das atividades; as máscaras dos ocupantes do interior do veículo mostram que eles se preocupam com a pandemia, em seus umbigos, e sabem de seus riscos. A classe média que quer que os pobres voltem a trabalhar estão de fato preocupados com a fome dos pobres? A classe média está preocupada com a manutenção da condição que esses pobres possuem para lhes transferir renda, mesmo que para isso a saúde dos outros fique em segundo plano. Essa é a maneira como os bolsonaristas lidam com a verdade. Usam para si, em seus benefícios e distribuem a verdade que lhes convém. 
            Outra tática utilizada é dizer que não fez aquilo que já havia sido feito. Sendo mais literal,  a estratégia da mentira. O governo elaborou a campanha “O Brasil não pode parar” para incentivar a população a encerrar o isolamento social . A Justiça Federal do Rio de Janeiro acatou um pedido do Ministério Público determinando a interrupção da campanha do governo. Na manhã do dia 28/03, o governo negou com veemência a autoria da ação publicitária e acusou de Fake News os meios de comunicação que a noticiaram. Detalhe: o slogan já tinha sido publicado com uma de suas artes e, posteriormente, deletado no perfil da própria Secretaria de Comunicação do Governo.    
            A vida não tem um valor infinito. Essa poderia ser a fala de um facínora, mas foi dita pelo presidente do Banco do Brasil. Bolsonaro, com seu desdém à pandemia global, com certeza assina embaixo. O presidente repete tanto João 8:32: E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertaráe constrói seu regime próprio de verdade, dissociado dos fatos e da ciência.  
            Mas, debaixo de sua máscara, não há como haver sorrisos. Mesmo com seu núcleo de seguidores radicais, seu apoio, para além desse núcleo, a cada dia que passa, despenca. Os médicos que os apoiaram estão abandonando o barcoProvavelmente observando a incompatibilidade dele com a medicina, uma ciência.  Segundo o Datafolha, de todos os gestores, Bolsonaro é que tem a avaliação pior em comparação a outros gestores públicos. Há dias seguidos, panelaços ocorrem em cidades brasileiras contra as ações do governo na crise. Antes exclusivos de bairros de classe média, agora povoam também as periferias urbanas do país.
            O regime de governo de Bolsonaro está à mercê do seu regime da verdade. Seu regime da verdade está em amplo conflito com a ciência.  É inconcebível, com todos os dados científicos que nós dispomos, defender o isolamento vertical, ou seja, o isolamento apenas para os grupos de risco. O isolamento tem que ser horizontal, para todos, a fim de não sobrecarregar nosso precário sistema de saúde e relegar à morte centenas de milhares de vidas que podem ser salvas. Os principais  especialistas da pandemia são os virologistas epidemiologistas, não os economistas. Atacar a ciência é atacar o conhecimento humano existente mais confiável. Ao continuar atacando a ciência no momento em que mais precisamos dela, Bolsonaro pode fazer a sua arminha com a mão e apontar para o pé.          
           

Comentários

  1. Muito bom! Só uma ressalva, como estratégia, as táticas do bolsonarismo não são de fatos ao acaso. Agora não tem como negar a imensa ignorância de Bolsonaro, quando ele diz que o vírus não passa em uma lotérica, pois há vidro blindado.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mas é justamente o que escrevi. Eu acredito que ele sabe que passa. Porém, em sua autoverdade no modo de distribuição para os outros, ele afirma que não passa, porque é conveniente esse discurso para seus interesses que são os interesses de que o financia até hoje

      Excluir
  2. Excelente síntese, Leandro.
    Incrível que na manutenção de suas próprias verdades, o bolsonarismo abandona o alinhamento ideológico de Trump, B.Johnson ou Netanyahu. Independente de quantas mortes possamos contabilizar, a narrativa precisa ser mantida, alimentada.

    ResponderExcluir
  3. Escrever sobre bolsonaro em um espaço curto é difícil mas ainda ser Leo conseguiu trazer a maioria dos pontos chaves. A minha dúvida eterna é em relação a cognição dele. Ou é burro demais ou gênio demais. Ou um ignorante que toma atitudes deliberadas, sem consultar ou ouvir ninguém ou um psicopata com uma equipe por trás orientando como manipular e enlouquecer as pessoas.
    Sempre desconfiei muito dele mas como algumas coisas nunca vamos saber, não tenho como provar. A facada, disse na hora ter sido invenção. A fuga dos debates as escritas a mão a caneta com o pesca. Aqueles vídeos montados quando chegava em aeroportos...enfim....Uma série de coisas que me faz duvidar da sua capacidade ou incapacidade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu acredito que nem 8 nem 80, John. Eles que criaram Bolsonaro capturam a cretinice do brasileiro médio e personificam na figura desse não presidente. É uma tortura psicológica passar por essa pandemia com ele no poder

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

As cabaças de Exu

Negro eu sou, índio eu sou, diz aí quem é você