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The Dark Side of the Moon Redux e estar vivo

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Consumimos música de muitas formas, inclusive quando não estamos muito dispostos a consumir. Na terra do trio elétrico, os portadores ambulantes de sons eletrônicos aparecem com seus dispositivos reproduzindo som em todos os lugares. Fora as música de fundo de vários lugares, as da academia são as piores.  Quando você se voluntaria a escutar um som que você gosta, você pode recorrer a várias maneiras e propostas para experienciar música. Desde o fone, passando pelos alto-falantes do carro ou espaços fechados ou abertos em que você escolha para curtir aquela música que lhe agrada. Ouvimos música parados, em movimento, de dia, de noite, sozinhos, acompanhados. Todas essas experiências são diferentes. Então, as músicas que escuto nas diferentes experiências repercutem em mim de maneira igualmente diferente. Tive essa constatação banal ao ouvir o recém lançado The Dark Side of the Moon Redux, a homenagem de Roger Waters ao lendário álbum que completou 50 anos em 2023. Dark Side está de vol

Cosme e Damião, cadê Doum?

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Cosme, Damião e Doum - Ilustração de Aline Bispo Qual a influência das  ausências das práticas ritualizadas em uma pessoa, em um grupo de pessoas, em uma cidade? Chega Setembro e aqui na Bahia sempre a gente pergunta de maneira bem-humorada: cadê meus convites para os carurus de Cosme e Damião, cadê os banquetes dos Erês? Sou menino, comilão, negro, nasci na periferia de Salvador, portanto os atributos perfeitos para garantir presença certa naquele ritual maravilhoso dedicado aos santos católicos que foram embebidos pelo dendê, pelos alimentos afrodiaspóricos - do quiabo ao inhame - e pelas espiritualidades cruzadas fruto da violência colonial.  Rua onde vivi boa parte de minha infância O tempo passou e eu saí da periferia. O evento feito para pagar promessas compartilhando comida com crianças e divindades ancestrais - Ibeji é o orixá litúrgico no Candomblé que protege as crianças, sincretizado com os gêmeos Cosme e Damião -  se tornou cada vez mais escasso aos meus olhos, à minha líng

O petróleo, a Bahia e o Bahia: mudanças de rota

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*Por Leo Pessoa  O petróleo no Brasil tem uma relação umbilical com a Bahia, sobretudo na hinterlândia de Salvador, mais conhecida como a região do Recôncavo. Porém, no último dia de Dezembro de 2022, até o último funcionário da Petrobras cedido a Acelen bater o ponto na Refinaria de Mataripe, é possivel afirmar que naquele instante, ciclos foram encerrados. Na entrada de 2023, ano que representa o septuagésimo aniversário da Petrobras adentramos em tempos de relações outras do petróleo com a Bahia. Período esse de vínculo estreito com o principal sistema de dominação vigente, aquele do capitalismo-rentista imperialista-neoliberal de investidores financeiros globais que se apropriam e exploram não apenas o hard power como também o soft power de um lugar.  A história da terra se mistura com a do petróleo após o encontro  da primeira jazida em Salvador, em um bairro da Cidade Baixa,  no Lobato, em 1938. Poucos anos depois a exploração seguiu os caminhos do óleo nos campos do município de

Perambular é um convite à permanência

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  As atividades de movimento no urbano, como o caminhar, se tornam mais possíveis e interessantes quando há espaços para parar e ficar por um determinado tempo. Mobiliários urbanos presentes na cidade podem nos convidar à pausa, à permanência, à habitação dos espaços abertos. Paradas mais longas ao ar livre são fundamentais para a existência de cidades vivas.   Os bancos são alguns dos exemplos de mobiliários que nos convidam a parar. Diante de uma vista atraente, os assentos servem para sentir o lugar, ver e ouvir uma paisagem, observar o movimento, contemplar os acontecimentos, ou apenas para dar uma parada e recuperar o fôlego, seguindo adiante. Contudo, na hora de projetar e implantar esses mobiliários, é necessário pensar em alguns elementos, como conforto, clima e materiais. Na imagem acima, por exemplo, é possível observar diversos bancos feitos em granito, em uma área onde quase não há sombra ao longo do dia. O que era para ser um convite à permanência, se torna um fardo em raz

Uma imagem, uma politica e uma poética da cidade

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Por Leo Pessoa  Essa é uma lindeza de imagem de uma criança fantasiada sorrindo, mas como toda imagem, exibe mais do que o aparente estático A vida humana, urbana é, por excelência, gregária, da mistura entre as pessoas. O urbano, sobretudo em seus espaços abertos, públicos é o solo do anonimato. É o chão da possibilidade, do desencontro ou mesmo do encontro com o outro que eu não selecionei para encontrar.  Esse outro, de idade, raça, gênero, classe social das mais diversas é um outro ao qual, de algum modo,  confiro atenção, com um olhar, com um cumprimento, com um conversar.  Essa é a busca. Busca pela experiência urbana da alteridade, de encontrar o outro, de se ver no outro, de ser o outro. Vocês viram um casal de velhos caminhando atrás de Bela na imagem? Pois é. Me vi neles daqui a alguns anos. Eles olharam, nos cumprimentaram e iniciaram uma conversa conosco. Já havíamos nos encontrado outras vezes mas pela primeira vez a prosa se fez presente. E que conversa. Gosto de ouvir ma

A Dança da Morte ou uma resenha sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente

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    Coletivamente, temos dificuldade de enxergar quem somos, onde estamos e para onde estamos indo. Porém, se pautarmos a nossa relação com aquilo que chamamos de natureza ou meio ambiente, essa desorientação se esvai. Possuímos um mandato sobre a Terra, em um período que os geólogos denominaram Antropoceno. As características do nosso mandato são: florestas devastadas para criar faixas de terras cultiváveis para a produção de soja e outros cultivos estéreis; queima de combustíveis fósseis em escala interminável afetando o clima em todas as partes do globo; escassez de água potável; sistemas de produção, distribuição e consumo que ampliam cada vez mais a desigualdade, concentrando riqueza nos bolsos de poucos e distribuindo pobreza e fome para muitos; essa mesma produção aplica lixos tóxicos nos solos e oceanos; pandemias e outros eventos catastróficos atuando e deixando rastros de destruição. Portanto, somos o desastre, estamos no desastre, indo para outros iminentes desastres.

Crônica do não carnaval

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Por Leo Pessoa Uma das manias do saber sistematizado moderno é, a qualquer custo, explicar o inexplicável. Nós não damos a César o que é de César? Deveríamos fazer o mesmo com o mistério. Dar ao mistério o que é do mistério e pronto acabou. Deixa lá e não mexe. Nosso saber é tão arrogante ao ponto de, se algo nos surpreende, ficamos irritados e buscamos logo provar que, se está acontecendo agora, aconteceu antes.   Aqui, nessas breves linhas, serei um exemplo desse saber arrogante. Estou surpreso e irritado não pelo acontecimento, mas pelo não acontecimento. Estou indignado pelas forças da natureza que nos tiraram o carnaval. O ser microscópico assinou um contrato terrível com as ausências. Por essa ausência tão sentida, fui recorrer à Dona História pra ver se ela me acalmava como um rivotril, apenas para mostrar que não tivemos carnaval em algum momento e, de alguma maneira, isso estaria escondido em alguma sequência genética a ser desvendada, esperando apenas se manifestar para mostr