The Dark Side of the Moon Redux e estar vivo


Consumimos música de muitas formas, inclusive quando não estamos muito dispostos a consumir. Na terra do trio elétrico, os portadores ambulantes de sons eletrônicos aparecem com seus dispositivos reproduzindo som em todos os lugares. Fora as música de fundo de vários lugares, as da academia são as piores. 

Quando você se voluntaria a escutar um som que você gosta, você pode recorrer a várias maneiras e propostas para experienciar música. Desde o fone, passando pelos alto-falantes do carro ou espaços fechados ou abertos em que você escolha para curtir aquela música que lhe agrada.

Ouvimos música parados, em movimento, de dia, de noite, sozinhos, acompanhados. Todas essas experiências são diferentes. Então, as músicas que escuto nas diferentes experiências repercutem em mim de maneira igualmente diferente.

Tive essa constatação banal ao ouvir o recém lançado The Dark Side of the Moon Redux, a homenagem de Roger Waters ao lendário álbum que completou 50 anos em 2023.

Dark Side está de volta! Que frase maravilhosa de se ouvir. Que álbum fenomenal para se escutar. 

Passei três meses sem fone de ouvido porque o smartphone novo não aceita mais os fones com plugs, aqueles de encaixar e que não sei o nome técnico. Como consequência passei três meses sem ouvir música caminhando. Até o lançamento do Redux. Meu irmão caçula me salvou me dando um fone de ouvido com tecnologia compatível a meu dispositivo e o portal foi aberto.

Caminhando noturnamente em direção ao trabalho, comecei a ouvir o álbum. As músicas foram se organizando no corpo.

No dia seguinte, pela manhã cedo, mais uma vez andando a caminho do trampo, escutei as músicas. E foi com a luz do dia que a versão mais sombria e com arranjos mais lentos do Dark Side fez uma amálgama com a experiência caminhante.

As canções, as declamações de Waters seguiam o ritmo do andar, a cadência do registro dos movimentos que aconteciam naquele quadro de percepção ao qual estava integrado.


O céu, o vento, o encontro silencioso com as pessoas que andavam como eu, mas na direção oposta, suas expressões, os carros, a disposição dos cabos, fios, edifícios... tudo pulsante, fremindo, acoplando aquele todo em um videoclipe do qual a organização e o roteiro caótico configuraram uma harmonia profunda.

A sincronização não era mais com Oz. Acontecia ali, com o mundo mágico de Salvador.

Se Waters revisitou aos 80 anos uma obra feita há 50 anos, para mim, o Redux chegou como um amigo que não encontrava há muito tempo. Aquele que você reencontra, passa um tempo, sente o prazer da companhia e nos 47 minutos de prosa só consegue avaliar que a essência dele e da relação está ali, sem pesar se melhor ou pior. As lágrimas queimaram meus olhos, meu novo velho amigo.

Um psicoterapeuta uma vez disse que você tem de aproveitar aquela música que te faz chorar. Exorcizar, colocar pra fora as emoções que escutar reverberava no corpo. Quinze minutos por dia, quando necessário. É um bom conselho. A música bate em mim de maneira transcendental.


Depois de ouvir perambulando pelas ruas, ouvi em casa com minhas filhas. A mais velha habituada ao frenesi epidêmico do K-Pop disse que estava relaxando muito, que o álbum deu sono nela. E foi aí que eu percebi tudo o que expus anteriormente. Redux significou muito para mim, sobretudo pela maneira que eu ouvi primeiramente. Pela maneira associada entre música, corpo e mundo reverberou em consonância, uns aos outros.


Se o Redux é uma obra egóica de um senhor de 80 anos revendo a si e a sua obra, um álbum-memória, pra mim sempre vai ser essa sensação de encontro com as superfícies do mundo. Waters em um de seus versos usa a poética para expor clichês mais verdadeiros: "a vida é um momento curto e caloroso e a morte é um descanso longo e frio." Ouvir Redux foi uma constatação de estar vivo!

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