O petróleo, a Bahia e o Bahia: mudanças de rota


*Por Leo Pessoa 

O petróleo no Brasil tem uma relação umbilical com a Bahia, sobretudo na hinterlândia de Salvador, mais conhecida como a região do Recôncavo. Porém, no último dia de Dezembro de 2022, até o último funcionário da Petrobras cedido a Acelen bater o ponto na Refinaria de Mataripe, é possivel afirmar que naquele instante, ciclos foram encerrados.




Na entrada de 2023, ano que representa o septuagésimo aniversário da Petrobras adentramos em tempos de relações outras do petróleo com a Bahia. Período esse de vínculo estreito com o principal sistema de dominação vigente, aquele do capitalismo-rentista imperialista-neoliberal de investidores financeiros globais que se apropriam e exploram não apenas o hard power como também o soft power de um lugar. 

A história da terra se mistura com a do petróleo após o encontro  da primeira jazida em Salvador, em um bairro da Cidade Baixa,  no Lobato, em 1938. Poucos anos depois a exploração seguiu os caminhos do óleo nos campos do município de Candeias.

Na esteira das últimas descobertas e da campanha "O Petróleo é nosso" a Refinaria Landulpho Alves (hoje, Refinaria de Mataripe) foi inaugurada em São Francisco do Conde, em 1950. O Nacional Desenvolvimentismo Getulista  garantiu o monopólio petrolífero por parte do estado brasileiro com a criação da Petrobrás.

Ao longo desse casamento de 85 anos atividades que envolvem o petróleo na Bahia composições da paisagem de Salvador e região são marcas dessa atuação: desde a Refinaria Mataripe às plataformas de extração oceânicas; da primeira usina de Biodiesel da Petrobras aos edifícios Jequitaia, em Água de Meninos e, depois, a Torre Pituba, no Itaigara, em Salvador, que abrigaram muitos trabalhadores encarregados das execuções administrativas e financeiras da Petrobras. Essas edificações são, quase todas, rugosidades na paisagem da Bahia.

Para Milton Santos, rugosidade é aquilo que fica do passado como forma, do espaço construído para uma determinada finalidade, mas que hoje não é usado para desempenhar a mesma função para a qual foi planejado primordialmente. O edifício Jequitaia foi desativado na década de 1990, a Torre Pituba em 2020... mas as refinarias permanecem funcionando. Por isso, cabe uma pergunta: todos esses espaços construídos são rugosidades mesmo?

Sim. São. A partir do momento em que essa produção, a fase do refino, não tem como um dos objetivos o lucro ser reinvestido para o país e seu povo, a função daquele espaço se reorienta e não é a mesma. Sofremos um blecaute. Fomos pisoteados pela história.

Em 2021 foi sacramentada a venda da Refinaria de Mataripe para outra empresa 100% estatal, dos Emirados Árabes, a Mubadala Investement Company. A estatal árabe criou a Acelen para administrar a refinaria. Logo no primeiro mês de sua gestão a Acelen mostrou a que veio e vendia a gasolina mais cara do Brasil.




O governo que foi "se embora" pelos ares deixou um rastro de destruição em várias áreas, sendo uma delas a venda dos ativos da Petrobras. Esse desmonte foi nacional, contudo a região Nordeste foi o principal alvo desse processo irreparável de "desinvestimento" da Petrobras.

Alguns podem dizer que as metas de carbono zero para as próximas décadas e com necessidade urgente da transição energética global, essas vendas foram estratégicas e benéficas para o erário público. Todavia, essa transição não acontece de um dia para o outro. A guerra da Rússia contra a Ucrânia mobilizou a ampliação de energia proveniente de matrizes fossilizadas, como o petróleo e o carvão mineral. Além disso, a Petrobras já havia iniciado o processo de diversificação de sua produção energética. As usinas de Biodiesel foram  realidades bem como a ideia de investir na matriz eólica e em outras fontes.

Para completar a mudança dos ventos e a entrada integral nos tempos do capital rentista, o Esporte Clube Bahia, clube de maior torcida do Estado, se "antenou" aos tempos atuais e passou a ser controlado por um dos conglomerados mais ricos do futebol, o grupo City, responsável por administrar o Manchester City, dentre outros clubes no mundo. Esse movimento passaria despercebido em relação ao tema desse texto, mas o CEO da Mubadala (empresa que comprou a Refinaria de Mataripe), Khaldoon Al Mubarak é dono do City Football Group. 

A SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do Bahia comprada pelo City foi aceita democraticamente, por meio de votação entre os sócios e atua oficialmente desde o primeiro dia de 2023. O grupo  já é responsável pelo maior investimento em contratações da história do Bahia e  já fez duas ações que não foram polêmicas pois os sócios do Bahia aderiram ao projeto de corpo e alma. O primeiro foi o aumento no valor do plano de sócios e o segundo o lançamento de um uniforme em alusão ao próprio grupo City. 



A torcida está empolgada, a imprensa fala em máquina de fazer títulos e que o Bahia entrou em outro patamar com os petrodólares do grupo City. Sou cético com o oposto do saudosimo, o "futurosismo", ou seja a ideia de que o futuro sempre será melhor. Ainda na esteira do ceticismo estou em desacordo com a venda da subjetividade de que o dinheiro é a melhor saída para qualquer situação. Se a função do Bahia era entreter, ganhar títulos e ser um grande clube do futebol brasileiro, hoje a função principal é lucrar com a venda de jogadores para o mercado da bola.

Um torcedor do Bahia, trabalhador da Refinaria de Mataripe que bateu o ponto as 23h59m do dia 31 de Dezembro de 2022 viu ali o sumiço de duas entidades e surgimento de duas rugosidades: a da Petrobras na Bahia e a do Esporte Clube Bahia. É importante lembrar que a Petrobras permanece na Bahia na extração do petróleo, mas não mais no refino nem em outras atividades administrativas. 

Ainda assim há esperança de que o governo atual recoloque a Petrobras na trilha de reinvestimento no Nordeste. Democraticamente colocamos Lula nesse lugar com mais essa expectativa. Já os sócios-torcedores do Bahia democraticamente  aprisionaram o clube ao grupo City pelos próximos 15 anos. Só nos resta a certeza: os dias antigos não voltarão mais. 




Comentários

  1. Excelente colocação. Gostaria de contribuir com seu texto, ao sugerir o neologismo "esperancismo" no lugar de "futurosismo". Deixo aqui a sugestão, para marcar que foram seu texto e o neologismo que me inspiraram.

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    1. Argemiro, confesso que pensei o termo "esperancismo" ao invés de "futurosismo". Só não o fiz por ter um gosto maior pela palavra esperança do que pelo vocábulo futuro. Respeitei esse gosto. No mais, obrigado pela leitura e sugestão

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