Palavra-corpo
Por Leo Pessoa
As palavras são corpos. Corpos com formas e sons. Nossos olhos podem tocá-las em uma leitura atenta, ou apressada, ou funcional, ou desleixada, ou todas juntas. Aos nossos ouvidos, elas podem nos tocar e nos levar para outros lugares. Pense: uma palavra pode elevar ou rebaixar uma transa. O simples ato de escutar uma palavra pode nos levar para um passado remoto. Outro dia ouvi de minha própria boca o som da palavra abafabanca. E, como num passe de mágica, no mesmo momento, estava no quintal da casa de minha avó, em minha infância, quando criança, sentido o sabor gelado do leite com abacate em pedras de gelo durante as tardes quentes das férias.
As palavras são corpos. Corpos com formas e sons. Nossos olhos podem tocá-las em uma leitura atenta, ou apressada, ou funcional, ou desleixada, ou todas juntas. Aos nossos ouvidos, elas podem nos tocar e nos levar para outros lugares. Pense: uma palavra pode elevar ou rebaixar uma transa. O simples ato de escutar uma palavra pode nos levar para um passado remoto. Outro dia ouvi de minha própria boca o som da palavra abafabanca. E, como num passe de mágica, no mesmo momento, estava no quintal da casa de minha avó, em minha infância, quando criança, sentido o sabor gelado do leite com abacate em pedras de gelo durante as tardes quentes das férias.
Essas
são as palavras. Poderosas. E, mesmo tentando nos esquivar, elas se impõem. Decodificá-las,
em um país tão desigual, pode ser um privilégio. Saber usar então... Muitas são
simples e, basta ler ou ouvir, para
entender seus significados. Outras são escorregadias, capazes de nos enganar se
articuladas de maneira maliciosa.
Palavras
evocam ações. Palavras evocam emoções. Palavras evocam lutas. Palavras evocam
lágrimas. É, camaradas, elas compõem todas essas nossas jornadas. Seja
entusiasmo, frustração, irritação, alívio, saudade, melancolia, prazer ou satisfação,
o que seria das emoções sem as palavras para expressá-las?
Os números são parceiros das palavras, pois além de serem símbolos, também são palavras. Contudo, os números são traiçoeiros, pois insistimos em confundir quantidade com qualidade O problema é que os números têm um lado. É difícil não falar sobre eles. Sobretudo na era do capital. Na era dos likes e views das redes sociais. Na era dos likes e views monetizados. Mas essa crônica é sobre palavras, deixemos, por ora, os números de lado.
Os números são parceiros das palavras, pois além de serem símbolos, também são palavras. Contudo, os números são traiçoeiros, pois insistimos em confundir quantidade com qualidade O problema é que os números têm um lado. É difícil não falar sobre eles. Sobretudo na era do capital. Na era dos likes e views das redes sociais. Na era dos likes e views monetizados. Mas essa crônica é sobre palavras, deixemos, por ora, os números de lado.
Segundo
os adeptos do cristianismo, palavras que saíram das mãos de João no primeiro
capítulo e versículo da parte que lhe coube nas escrituras sagradas dos
cristãos, Deus é a palavra, porque “No princípio era aquele que é a Palavra e
ele estava com Deus e era Deus”. Assim, aquele, era Jesus, que era a Palavra e
que era Deus. A Palavra era o corpo de Jesus que por sua vez era Deus. Os cristãos curtem uma trindade, trinômios e
tridentes.
Criolo,
outro profeta, mas do século XXI, versou sobre as quebradas: “Antigamente
resolvia na palavra / Uma ideia que se trocava / o respeito que se bastava/
Dinheiro é vil, tio geriu, instinto viril / AR- 15 é mato e os moleques tão de
fuzil”. Através de sua análise crua do Brasil suburbano das periferias, revelou como a palavra perdeu o grau de mediação de códigos de condutas, de honra e de diálogos.
Foi superada pela arma. A arma letal, matou e retirou a palavra de seu lugar,
de seu valor.
Em
tempos de pandemia global, é importante lembrar da imunologia da palavra. Não
são apenas os vírus que contaminam. As
palavras contaminam. Sobretudo se o hospedeiro da palavra não é um sapiens, como eu ou você, e sim uma máquina.
Os robôs programados para, a partir de disparos de mensagens, replicar palavras
fáceis, convencendo aqueles, sapiens,
que querem ler ou ouvir determinadas palavras. A contaminação aqui no Brasil
foi brutal. A imunidade esteve e ainda
está muito baixa.
Por
todo esse percurso, podemos gostar ou não de determinadas palavras. Algumas,
por solidificarem sensações. Outras, por causarem pavor ou vilipendiadas pela sua
estética, simbólica da escrita, do som ou apenas por não gostar de seu
significado. A palavra democracia,
por exemplo, ainda desperta muitas sensações de esperança ou de pavor. Muitos
acham o soar da palavra sensacional sensacional. Outros não gostam de estrangeirismos
em uma língua materna. Como se as línguas não se encostassem umas nas outras.
Não devem gostar de usar os termos abacaxi,
paçoca, tucano porque vieram do tupi, infectando, assim, a língua
portuguesa, a tal língua materna dos brasileiros. Se essa palavra é emprestada
do inglês, tem origem em vozes de um universo majoritariamente feminino, como
as dietas, e ainda é uma redução de outra palavra, ela pode se tornar modinha e
por isso gerar asco nos críticos das modinhas. A palavra é detox.
Eu,
particularmente, sou um admirador entusiasta da ideia instantânea remetida pela
palavra detox. Ao invés de falar desintoxicação ou desintox, em uma palavra com duas sílabas conseguimos economizar as
letras e não interferir em seu sentido. De fato, estamos intoxicados. E não
apenas pela comida que comemos, pela água que bebemos, pelo ar que respiramos,
pelas telas de nossos smartphones.
Estamos intoxicados também pelo excesso de trabalho, pela ausência dos corpos
em casa ou nas ruas, pela desigualdade social, pela ganância dos rentistas,
pelos nossos hábitos de consumo e pelo consumo de nossos hábitos.
Por
essas e outras, não apenas faço uso da palavra como faço meus detox, seja na comida, nos smartphones, em determinados tipos de
consumo ou de hábitos. Enquanto isso, minhas palavras se misturam com as
palavras de um monte de gente que está aqui, diretamente e indiretamente, nesse
pequeno texto. Todas elas contaminadas para desintoxicar.
Espectacular!
ResponderExcluirEstou fazendo umas atividades para equilíbrio do corpo e da mente que utilizam bastante sons, áudios e melodias que são palavras ditas em códigos diferentes do alfanumérico. O resultado é surpreende. É impressionante a conexão da palavra com o corpo. Causa e efeito indescritíveis. Você falou da abafabanca e eu trago outro exemplo: ouvi uma musica essa semana que me transportou pra 1993 em uma lembrança clara de sentimentos e sensações. Palavras e sons nos move.
Massa!
ResponderExcluirBelo texto!
ResponderExcluirMas eu diria o contrário: o que seria das palavras se não fossem as emoções? Muitas experiências e coisas não têm palavras, e essas são as melhores...
A palavra é o adestramento da experiência, da emoção, do devir. Quem disse que o que eu chamo de melancolia é o que você chama também?
É por isso que as máquinas nunca vão substituir a sensibilidade humana. Na arte, o que nos move é muitas vezes o que está na fenda, no indizível, no incomum, naquilo que o algoritmo não consegue vislumbrar.
Eles tem as máquinas e as Fake News, nós temos a poesia, a arte, a música, o encantamento, o incognoscível. Apesar deles, amanhã vai ser outro dia.
É um bom papo!
Concordo que a existem coisas que as palavras não capturam. A palavra põe a experiência em andamento. Através dela eu posso compartilhar minimamente alguma ideia, emoção ou sentimento.
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