A chegada de Bela


       


Por Milena Farias e Leo Pessoa 

        Intensa. Rápida. Emocionante. Imprevisível. Assim foi a chegada de nossa tão esperada Bela, no dia 30 de Abril, às 23h13 min, com seus 3 quilos e 70 gramas e 47 centímetros de envergadura, após 38 semanas e 5 dias in útero. Apresentados os números, vamos aos fatos.  
            Bela de Sousa Pessoa, é nossa segunda filha, entretanto é o fruto da nossa quarta gravidez.  Após a chegada de Flora, tivemos duas fecundações que não evoluíram, o que confere à nossa caçula o status de bebê arco-íris, ou seja, aquela que representa a esperança, o triunfo dos tempos bons sobre as tempestades.
            Na mesma medida em que nos trouxe muita felicidade e satisfação, a gestação de Bela foi recheada de desafios que nos ensinaram a celebrar o tempo que está, ou aquilo que chamamos de presente. Logo de início, foi diagnosticada uma diabete gestacional. Um risco agregado, todavia, mantido sob controle, esse quadro não representa complicações extremadas. No nosso caso, o controle rígido da alimentação, com medições diárias de glicemia foi suficiente para uma evolução saudável de Bela, que, lá do interior, se desenvolveu lindamente, e pareceu não refletir as nossas angústias aqui do exterior. A privação de doces nos permitiu saborear doçuras outras.         
            Voltando ao último dia de Abril de 2020, é importante pontuar toda a mística envolvida na data escolhida por Bela para a sua chegada nesse mundo turbulento. A primeira coisa que sequer poderíamos imaginar após o êxtase fecundante de Bela é que o período do seu nascimento seria marcado por um mundo em pânico, um verdadeiro pandemônio instalado por uma pandemia viral.
            Os quarenta e cinco dias que precederam a sua chegada foram marcados por aflições: o temor da infecção pelo vírus, o isolamento físico e todas consequências desse estado, feridas abertas de um modo de vida que seguimos em um mundo que já estava pelo avesso.
            No espaço do nosso lar, esse período precisou ser ressignificado buscando certa blindagem do contexto externo. Os preparativos do nascimento de nossa Bela flor, como lavar e passar roupinhas, providenciar os materiais necessários para o parto domiciliar, organizar a casa, realizar os exames e consultas do terceiro trimestre e a despedida da rotina familiar a três deram o tom desse tempo por aqui.
          Ainda ressaltando a mística da data escolhida por Bela para estrear nesse mundo, um evento misterioso aconteceu no dia 13 de Abril. Flora e o pai estavam lendo o clássico livro de Jules Verne Viagem ao centro da Terra, quando, no capítulo 25, o narrador Axel afirmou que ,no ritmo em que estavam na jornada que intitula a obra, levariam dois mil dias ou, mais ou menos, cinco anos e meio para chegar ao centro do planeta. A idade de Flora no dia da leitura era próxima de cinco anos e meio. Por isso, pai e filha calcularam o dia em Flora completaria o dia 2.000 de sua existência. Voilà: o resultado foi, nada mais, nada menos, do que 30 de Abril. Assim, pai e filha decidiram torcer para que Bela chegasse nesse dia. E assim foi.
            Os anúncios de sua aparição surgiram durante as duas noites que antecederam a sua chegada. Mas no alto de nossa ingenuidade, imaginamos que esses sinais se prolongariam ainda por muitos dias.  Com o raiar do Sol do último dia de Abril, porém, despertamos com sinais de tampão mucoso, imediatamente reportados à nossa amada doula, Lia Sfoggia. Fomos orientados a permanecer atentos e a sinalizar qualquer outra novidade que por ventura ocorresse. A manhã seguiu seu curso sem novidades. Pela tarde, pai e filha tinham contatos virtuais agendados e a mãe ficou abandonada à própria sorte. Na falta do que fazer, sentou para assistir o documentário Esse é só o começo do fim das nossas vidas, com direção de Maria Ribeiro, sobre a banda Los Hermanos. Entre uma canção e outra, um desconforto. Seriam gases? Cólicas? Contrações? Após a finalização da reunião, o pai percebeu que a mãe estava com um semblante diferente e a questionou. A mãe respondeu que não era nada, mas que estava começando a sentir algumas dores regulares na barriga a cada dez minutos. O sol se pôs, jogamos baralho, jantamos e a dor se manteve, com a regularidade já sendo cronometrada, apresentando maior intensidade e velocidade em seus intervalos.
            O pai foi colocar a primogênita para dormir, e, no quarto, finalizaram o último capitulo do livro Viagem ao Centro da Terra, aquele mesmo que influenciou a torcida pelo dia 30 de Abril. Mal sabiam que a jornada maior estava para acontecer. Ao sair do quarto, encaminhamos os valores da frequência e duração das últimas contrações cronometradas em um aplicativo  e a orientação foi banho e descanso. Só que o banho, ao invés de aliviar as dores, intensificou ainda mais o processo. Em conversa com a doula, ela decidiu vir até a nossa casa.
            Sua chegada foi um marco tão importante quanto a importância da pessoa em si. Antes mesmo de ser nossa doula, Lia já era uma grande amiga da família. Sua escolha para nossa doulagem aconteceu no exato momento em que a gestação foi revelada para nós em um teste de farmácia, escolha essa que nos pareceu muito óbvia. Queríamos ao nosso lado no momento do parto, alguém intimo, que nos transmitisse força, segurança, coragem e versatilidade (ela é fotografa também, mas juramos que esse não foi um critério decisivo), alguém que, embora estivesse ali para dar apoio emocional para a parturiente, pudesse fazer isso com qualquer membro da família que necessitasse no momento do parto. E foi exatamente isso que ela trouxe.
            Já em nosso lar, suas sugestões para alívio da dor sempre foram muito respeitosas para com a vontade da parturiente. Fez fundamental papel comunicativo com a equipe de assistência ao parto. Talvez ela não tenha a dimensão de que sua presença, por si mesma, já representou para nós o alívio e apoio necessários naquele momento. Tomou providências rápidas de organização do espaço físico até então não iniciadas. Ordenou  a montagem e o enchimento da piscina e o pai executou. Massagens, palavras e prontidão.

            Como foi uma noite de virada de lua, a equipe escolhida estava atuante na assistência a outros partos que aconteciam na cidade. De modo que foi necessário encaminhar uma profissional do coletivo que estava disponível para fazer uma avaliação do quadro enquanto uma pessoa da equipe finalizava um parto e se deslocava para a nossa casa. Contamos, então, com a presença não planejada, mas muito bem vinda, de Soninha. Sua chegada foi sutil e providencial. Sua atitude demonstrou respeito e experiência diante da situação. Observou rapidamente. Auscultou os batimentos de Bela e, logo após ouvir a mãe dizer “vai nascer, vai nascer”, confirmou diante de nossos olhares descrentes: “quando a mãe diz, é porque vai mesmo”.

            Após esse momento, Lia sugeriu água para aliviar a dor e, imediatamente, Milena mergulhou na piscina. O pai questionou se não era hora de acordar a filha mais velha, e a doula disse que ainda não. Mas, naquele momento Bela queria ser expulsa e Milena expulsava, numa estreita comunicação entre corpos em suas experiências complementares e únicas. Trinta segundos após esse diálogo, a mãe fala para o pai que a estava acariciando do lado de fora da piscina: “Leo, Flora”. O pai entendeu o chamado, correu para o quarto da filha, acordou ela e, quando chegou na sala com Flora no colo, Bela, rapidamente, coroou e, escorregando para a piscina, jogou seu corpo no mundo. Foi tão rápido, que o canal vaginal se assemelhou a uma espécie de tobogã a levar Bela à água. Submersa, resgatada por Soninha, Bela ecoou o vigoroso som de seu choro no colo de sua mãe. Logo depois, foi para o sofá, quentinha, aconchegada no colo, no seio e no olhar de sua mãe. 
   
               Tanila, a parteira que nos acompanhou durante toda gestação, revigoradora de mentes e corpos em cada consulta sua, pessoa que aceitou a empreitada de nos acompanhar, antes mesmo de saber da existência de uma gestação, chegou sete minutos após o nascimento de Bela. Acompanhou a  última etapa do trabalho de parto com a expulsão da placenta, quando a irmã mais velha posudamente cortou o cordão umbilical. Tanila assumiu o comando de todos os procedimentos pós-parto de verificação da saúde da mãe e da bebê. Embora não estivesse presente fisicamente na chegada de Bela, ela se fez presente não apenas virtualmente com seus "eita". Suas palavras de apoio, incentivo, ecoavam em nossas mentes da forma que ela sempre transmitiu pra nós, com uma seriedade bem humorada. Há rumores de que até hoje ela junta os caquinhos por não ter visto a estreia de Bela. 


            Em pouco tempo após o parto, o cheiro de vida se apoderou do espaço do lar. Se a vida tem um cheiro, seu cheiro é o de um recém nascido, o emanar do hálito do bebê, o odor do vernix, o aroma do mecônio. A ocitocina na mãe parece que não encontrou barreiras e chegou a bater na estratosfera, tamanha a vitalidade exposta em seu semblante naquele momento. Ao ouvir o choro de Bela, Tanila, a parteira, sentenciou: tem pulmões fortes. Esperamos ser mais um traço evolutivo para a nossa espécie.

                Se é uma época de reprises de jogos de futebol, de novelas, de eventos passados, nós escolhemos a nossa reprise. Em um segundo parto tudo foi 100% igual e 100% diferente, desafiando todas as fronteiras da lógica. Bela, lá na frente, poderá afirmar que foi mais uma baby, uma nova baiana, a dizer: “quando cheguei tudo, tudo, tudo estava virado”. Mas no avesso do avesso desse vasto mundo, deixamos o sonho chegar, preparamos uma avenida e estamos nela a passar, vagarosamente, sem querer parar e vamos dizer: não se assuste Bela Pessoa, se lhe dissermos que a vida é boa.
           


Comentários

  1. Acabei de ler um livro,com uma história marcante e verídica do nascimento de mas uma estrela chamada Clara,que nosso bom Deus continue abençoando a sua família.

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  2. Que lindeza, que lindeza! Quanta poesia escorre de suas palavras, pois a celebração da vida é um dos maiores e mais belos atos poéticos! Vida e Saúde para Bela! Parabéns, queridos!

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  3. Lindo demais, Léo! Certamente, nada foi por acaso, a leitura, a data... A Vida é Bela!

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  4. A vida é a BELA.
    Bela chega trazendo consigo amor, esperança, doçura e ternura. Cercada e amor e carinho, chega num momento complicado para o mundo inteiro e em volta de si, fez nascer um círculo amoroso grandioso e intenso. Espero logo te conhecer BELA. E te dizer como BELA é a sua chegada.

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  5. INCRÍVEL professora, texto lindo, q texto poético, eu adorei, parabéns pelo seu trabalho ficou muito bom♡!

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