Quem são seus influencers?


 Por Leo Pessoa

Meus principais influenciadores são meus familiares, amigos e suas influências normalmente acontecem em encontros presenciais. Contarei duas histórias para confirmar essa afirmação.

A primeira aconteceu em Fevereiro deste ano quando estive em uma celebração de aniversário e encontrei alguns amigos. Nas conversas sobre o mundo tecnológico atual, um amigo me indicou o livro Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política, escrito pelo bielorruso Evgeny Morozov. Adquiri a obra e me identifiquei muito com as ideias sobre os reais impactos da tecnologia em nossas vidas nos âmbitos cultural, social, econômico e comportamental.

Não irei aqui fazer uma resenha sobre o livro, mas uma das coisas mais contundentes que Morozov aborda é sobre o fato de sermos produtos do atual domínio feudal que as quatro principais empresas de tecnologia do mundo, a saber : Google, Facebook, Apple e Amazon nos condiciona e como elas loteiam alguns dos mais valiosos momentos de nossas vidas.  

Para esse amigo indiquei o podcast. que escuto desde 2019, Tecnocracia, produzido por Guilherme Felitti. Os episódios mostram as conseqüências de vivermos sob os governos dessas Big Tech. Vale ressaltar que esse podcast, um produto em áudio do mundo virtual foi indicado para mim por um amigo, também em um encontro presencial.

Ambos, o livro e o podcast, tocam em temas similares com a diferença do tipo da linguagem: o primeiro é do domínio da escrita, o segundo é do domínio da fala. O livro lemos, o podcast ouvimos. Tanto Big Tech quanto o Tecnocracia, repercutiram tão fortemente em mim que em Março desse ano adentrei no mundo dos blogues intitulando o meu de Meandros Analógicos. A palavra meandro conheci por intermédio das ciências.  Ela nomeia os desvios e as tortuosidades de um rio. Já o termo analógico adjetivou os meandros justamente por ter o sentido de contraposição a essa cultura digital que estamos profundamente inseridos e o blogue já faz parte da margem dessa cibercultura.

Por essas e outras o tão falado documentário da Netflix, O Dilema das Redes, apesar de ser muito bom, não soou para mim como uma novidade. É interessante acrescentar mais uma linguagem narrativa, a audiovisual, para descrever os inúmeros problemas gerados pela tecnologia, inclusive com algumas dramatizações. Porém diferente dos dois primeiros, O Dilema das Redes foca no mundo das redes sociais, enquanto dos outros dois esse universo é abordado, mas colocado diante de uma perspectiva mais ampla, pois debate também sobre a Amazon e a Apple.

A discussão sobre as contradições tecnológicas de nosso tempo, para mim, ficaram muito mais evidentes após a eleição de Trump em 2016 e a ascensão da ultra-direita ao poder executivo do Brasil em 2018.  As séries Black Mirrror e Years and Years também pautaram de maneira brilhante as interferências fundamentais da tecnologia em nosso cotidiano. Assisti-las me inseriu também no debate.

No final de 2018 comecei a perceber que precisava regular o meu uso da tela do meu smartphone. Decidi abandonar o Facebook e o Instagram, as duas únicas redes sociais que integrava. Decidi também, durante os períodos de férias, recessos e feriados mais extensos, desinstalar o aplicativo do WhatsApp. Em média por ano, passava cerca de 20% do ano com o aplicativo desinstalado em uma experiência muito desafiadora e com muitos benefícios ao meu corpo, incluindo a mente.

Essa decisão de sair das redes sociais e de desinstalar o aplicativo de mensagens instantâneas foi vista como exagero por parte de alguns amigos e familiares que criticavam as ações de desconexão. Sempre ressaltei que essa postura era de uma pessoa que se via como viciada, sobretudo em notícias, e queria além de se desvencilhar do vício, estar cada vez mais presente, principalmente com a família, esposa e filha (agora no plural).

 Estava indo bem até chegar a pandemia. Com ela, a busca por informações se tornava algo extremamente angustiante, estressante e estafante. Reuniões, aulas, encontros, tudo virtualmente. O próprio blogue me demandava algum tempo de acesso. Voltei ao Instagram há cerca de três meses por motivos de trabalho, mas em breve devo, mais uma vez, deixá-lo de lado.  

As crianças também foram desviadas ainda mais para esse mundo durante a clausura. Suas experiências que já eram drenadas para uma perspectiva bissensorial, pois nas telas, a visão e a audição são os sentidos mais requisitados, foram quase que confinadas nesse mundo. Esses sentidos se tornam eletrificados pois acontecem apenas quando há uma tomada (e uma conexão a internet) para recarregar aquele aparelho que fornecerá a experiência sensorial eletrificada.  

O livro, o podcast e o documentário são as fontes para eu entender mais  esse mundo, principalmente para o futuro de minhas filhas quando elas estiverem cada vez mais acessando, literalmente, esse universo, com contas em redes sociais. Mas antes de olhar para o que estar por vir nesse sentido preciso olhar para o agora e perceber qual exemplo estou dando a elas com o meu uso do smartphone.

Seguindo a lógica do Dilema das Redes, algumas ações poderiam ser feitas para não permitir que seus hábitos, escolhas, sejam manipulados pelas redes e mídias sociais. Trocar o Google, o navegador e o email por um buscador que não venda seus rastros; alterar o aplicativo de mensagens instantâneas por um que também respeite sua privacidade dentre outras ações individuais para mitigar os efeitos dessa drenagem virtual. Essa é uma perspectiva interessante, mas preciso de mais.   

Se você leitor estiver atento deve estar a se perguntar: “e a segunda história que confirma que seus influenciadores são, principalmente, seus familiares e amigos?”. Pois é. Vamos a ela.

Ela é minha sobrinha de 10 anos. O pedido ao seu pai como presente de dia das crianças, foi a sua desconexão, ou, em outras palavras, que ele desligue o celular. Meu irmão me contou sobre o pedido no encontro semanal entre as primas. Encontro este construído para diminuir os impactos dessa pandemia em nossas crias. Ele dará o presente a ela e tomei emprestado o pedido dela e passarei esse dia 12 de Outubro com meu smartphone absolutamente desligado. Não vale o notebook também. Acabei de colocar minha filha para dormir e ela, já em tom de cobrança me lembrou dessa promessa. Espero não falhar. Sou realista. Será um dia desafiador e antes mesmo do resultado afirmo: pretendo instituir essa prática mais e mais vezes. Tenho ciência do vício e preciso mostrar, mesmo que por um dia, posso dominá-lo.

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