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Das coisas que aprendi nos discos

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   Por Leo Pessoa     Em Maio do ano passado, participei de um concurso para o Magistério Docente da Universidade Federal da Bahia. Fui aprovado na prova escrita, mas fiz, por vários motivos, uma prova didática pífia e não obtive classificação. Na etapa da defesa do memorial, afirmei que após o término do Doutorado, ocorrido seis meses antes, havia dedicado um tantinho do meu tempo a ler obras, teóricas ou literárias, que contribuíssem para entender meu país e o mundo em que vivo.   Na leitura do resultado do concurso, a banca disse que a minha fala sobre a leitura das obras foi evasiva e sem relação com o concurso. A área do certame era Geografia Regional e a leitura de obras de autores de vários cantos do Brasil, da Nigéria, da Noruega, da Coréia do Sul, do Canadá foi considerado uma circunstância menor de meu argumento que não deveria estar ali. Desde então, desencanei com a vida acadêmica e decidi dar continuidade à minha formação nessa tentativa, que talvez nunca seja concluíd

A chegada de Bela

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        Por Milena Farias e Leo Pessoa          Intensa. Rápida. Emocionante. Imprevisível. Assim foi a chegada de nossa tão esperada Bela, no dia 30 de Abril, às 23h13 min, com seus 3 quilos e 70 gramas e 47 centímetros de envergadura, após 38 semanas e 5 dias in útero . Apresentados os números, vamos aos fatos.                Bela de Sousa Pessoa, é nossa segunda filha, entretanto é o fruto da nossa quarta gravidez.   Após a chegada de Flora, tivemos duas fecundações que não evoluíram, o que confere à nossa caçula o status de bebê arco-íris, ou seja, aquela que representa a esperança, o triunfo dos tempos bons sobre as tempestades.             Na mesma medida em que nos trouxe muita felicidade e satisfação, a gestação de Bela foi recheada de desafios que nos ensinaram a celebrar o tempo que está, ou aquilo que chamamos de presente. Logo de início, foi diagnosticada uma diabete gestacional. Um risco agregado, todavia, mantido sob controle, esse quadro não representa co

Zé Janela e Dona Rua

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Se cada dia cai,  dentro de cada noite,  há um poço  onde  a claridade está presa. Há que sentar-se na beira do poço da sombra  e pescar luz caída com paciência. Pablo Neruda Por Leo Pessoa               Dias turvos. Esplendorosas manhãs, de repente, nuvens. Dias se eternizam em noites num piscar de olhos. A janela é abertura, encaminha a observação da luz/penumbra que chega até o corpo. Há sempre uma sensação estranha, nesse movimento nos últimos dias. Trabalhadores levantavam mais um edifício do chão, mas não chegou a arranhar o céu.   Não estão mais lá. Os barulhentos dias letivos, as sirenes das escolas. Não mais ecoam. Caminhantes passavam pela rua, uns do lado dos outros em uma prosa que percorria itinerários acústicos, em suas cerimônias coletivas de peregrinação ao trabalho. Hoje passam isolados, com suas vestimentas de boca e nariz que evidenciam olhares desconfiados, atentos e preocupados.               Enquanto Sísífo foi condenado a rolar incess

A tocante constatação de Kafka

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Por Leo Pessoa               Em Cartas a Milena, Kafka descreve a carta como um meio de comunicação sobrenatural. Em uma das correspondências ele escreve: “ Como se chegou à ideia de que seres humanos poderiam se relacionar uns com os outros por cartas! Pode-se pensar em uma pessoa distante e pode-se tocar uma pessoa próxima, todo resto vai além da força humana ”. A carta, para Kafka, era uma espécie de comunicação fantasma, pela sua condição: destituída de presença. Um centenário após essa escrita, o que nos diria o fantasma de Kafka ao observar as nossas comunicações atuais?             Antes da pandemia, era um tanto quanto constrangedor estar diante de alguém, caso você ou esse alguém, estivesse a todo o momento com a atenção voltada para a tela desse aparelho que se tornou apêndice do nosso corpo. Corpo que, por horas, pode ser subtraído a dedos, olhos e, as vezes, ouvidos.  Agora, isolados que estamos, as telas são as nossas companheiras para tentar escapar dos espaços n

Hora da revisão

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Por Leo Pessoa  Cientistas de Havard publicaram um estudo na revista Science afirmando que o isolamento social pode ser necessário até 2022, caso não haja uma vacina eficaz contra o Sars-CoV-2. Esse isolamento provavelmente seria intermitente, intercalando períodos de aberturas e clausuras. Hoje, minha filha primogênita completa 30 dias de confinamento. Logo ela, a principal integrante (o que os acadêmicos gostam de chamar de sujeito da pesquisa)   da minha tese de doutoramento sobre experiência urbana, crianças e ar livre. Desde quando   nasceu, ela já presenciou o por do Sol 1.985 vezes. Com esses números, percebi que o atual confinamento representa para ela 1,5% de toda sua existência. Para mim, que tenho 35 anos, seria o equivalente a estar seis meses confinado. E para você, meu leitor de 70 anos, seria o equivalente a um ano de toda a sua vida. A caçula está no espaço uterino materno. A partir do próximo Sábado ela já pode chegar a esse mundo virado pelo avesso. Se as proj

As cabaças de Exu

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                 Por Leo Pessoa  No seu mágico livro, O corpo encantado das ruas , o historiador Luiz Antônio Simas narra um longo poema de criação no qual a figura central é um dos orixás do panteão nagô: Exu. Nessa história, Exu tinha de escolher, entre duas cabaças, qual delas levaria em uma extensa viagem ao mercado. Uma cabaça continha o bem, na outra, estava instalado o mal. Sendo assim, se o que preenchia uma das cabaças era o remédio, a outra tinha o veneno. Se em uma a composição era do visível, a outra era composta pelo invisível. Se uma era domínio das aberturas, a outra era domínio do confinamento. Exu, então, fez valer a sua condição de ponte. Solicitou uma terceira cabaça. Abriu as três e, na cabaça vazia, misturou o pó das duas primeiras cabaças que tinham conteúdos. Mistureba feita, desde este dia, o remédio pode ser veneno e o veneno pode curar. O bem pode ser o mal e o mal pode descambar para o bem. O confinamento pode ser abertura e a abertura pode ser confi